Dando sequência à série de informativos sobre as Sentenças Arbitrais Públicas do CAM-CCBC, nesta segunda análise reunimos dois casos que abordam temas centrais da arbitragem societária: contratos condicionais, devolução de valores pagos antecipadamente e critérios contábeis para liberação de montantes retidos em contas vinculadas.
No informativo anterior, examinamos a liberação de valores em conta garantia na venda do Grupo Dedini Agro e a precificação de créditos tributários no contexto da aquisição da Zamprogna NSG Tecnologia do Aço S.A. Em ambas as situações, os Tribunais Arbitrais reforçaram a importância da previsibilidade contratual, da observância às normas contábeis e da separação entre obrigações objetivas e pressupostos implícitos.
Dando continuidade, passamos a analisar:
- Procedimento Arbitral nº 24/2011/SEC1, que discute a devolução de uma Taxa de Exclusividade de US$ 20 milhões em razão da não conclusão de uma transação no setor de mineração;
- Procedimento Arbitral nº 37/2011/SEC1, que envolve a definição de contingências materializadas em contrato de compra e venda de ações e sua repercussão na liberação de valores retidos.
- Procedimento Arbitral nº 24/2011/SEC1
Partes Envolvidas
- Requerentes: Campina Participações S.A., Edson Pereira Duda, Natalina Sacchi Duda e Pio Egidio Sacchi
- Requerida: Allore Mineração S.A. (antiga Steel do Brasil Participações S.A.)
Tribunal Arbitral
- Árbitro Presidente: José Alexandre Tavares Guerreiro
- Coárbitros: Eduardo Grebler e Luiz Gastão Paes de Barros Leães
Resumo do Caso
A disputa decorreu da venda de ações da MHAG Serviços e Mineração S.A., onde a Allore pagou uma Taxa de Exclusividade de US$ 20 milhões para garantir a exclusividade na negociação. O fechamento do contrato estava condicionado à resolução de disputas e dívidas pendentes. Campina alegou ter resolvido a maioria dos problemas, mas Allore notificou a rescisão do contrato em 2011, exigindo a devolução da Taxa de Exclusividade e dos valores emprestados à MHAG.
Principais Questões Discutidas
- Cumprimento das Condições Contratuais: Divergência sobre a resolução das disputas e dívidas pendentes.
- Taxa de Exclusividade: Devolução da taxa paga pela exclusividade na negociação.
- Responsabilidade pelo Término do Contrato: Qual das partes deu causa ao término da relação contratual.
- Devolução dos Mútuos: Valores emprestados pela Allore à MHAG.
- Danos Materiais e Morais: Alegações de prejuízos sofridos pelos Requerentes.
- Violação das Cláusulas Compromissórias: Ajuizamento de execuções judiciais pela Allore.
Decisão do Tribunal Arbitral
O Tribunal decidiu majoritariamente a favor da Requerida, Allore, reconhecendo que:
- Responsabilidade pelo Término do Contrato: As condições suspensivas não foram cumpridas integralmente, justificando a rescisão do contrato por Allore.
- Devolução da Taxa de Exclusividade: Campina deve devolver US$ 14 milhões (70% da taxa), corrigidos pela taxa Libor + 4%.
- Devolução dos Mútuos: Rejeitou o pedido dos Requerentes de não devolver os valores emprestados, pois a MHAG não é parte da arbitragem.
- Danos Materiais e Morais: Negou a indenização por falta de provas de danos sofridos.
- Violação das Cláusulas Compromissórias: Concluiu que a execução judicial por Allore não prejudicou a arbitragem, negando indenização por danos materiais.
- Sucumbência: Condenou os Requerentes a arcar com os custos da arbitragem, exceto honorários advocatícios, conforme o Termo de Arbitragem.
2.Procedimento Arbitral nº 37/2011/SEC1
Partes Envolvidas
- Requerentes: Luiz Eduardo Franco de Abreu e NSG Capital Asset Management S.A.
- Requerida: Soluções em Aço Usiminas S.A.
Tribunal Arbitral
- Árbitra Presidente: Selma Maria Ferreira Lemes
- Coárbitros: Carlos Alberto Carmona e João Bosco Lee
Resumo do Caso
O caso trata da liberação de 30% de valores retidos em uma conta vinculada, conforme previsão contratual na venda da Zamprogna NSG Tecnologia do Aço S.A. A controvérsia residia na definição do que seriam “contingências materializadas” e no montante dessas contingências.
Principais Questões Discutidas
- Cumprimento das Condições Contratuais: Divergência sobre a definição de contingências materializadas e sua quantificação.
- Liberação de Valores Retidos: Direito ao levantamento de 30% do saldo livre da conta que abriga a parcela retida para indenização.
- Critérios Contábeis: Aplicação das normas da CVM e do IBRACON para determinar as contingências materializadas.
- Responsabilidade pelas Contingências: Disputa sobre quais contingências deveriam ser incluídas no cálculo.
Decisão do Tribunal Arbitral
O Tribunal decidiu majoritariamente a favor dos Requerentes, reconhecendo que:
- Critério Contratual para Apuração das Contingências Materializadas: Apenas as contingências classificadas como de perda “provável” deveriam ser incluídas no cálculo das contingências materializadas.
- Liberação de Valores Retidos: Determinou que a Requerida deve liberar R$ 14.962.819,61 da conta bancária, referente à parcela de 30% prevista no contrato.
- Consectários da Condenação: A Requerida deve pagar correção monetária pelo IGPM-FGV, juros moratórios de 1% ao mês, e multa moratória de 2% desde 18 de abril de 2011 até o efetivo pagamento.
- Custas e Honorários: A Requerida foi condenada a arcar com as custas integrais da arbitragem e honorários advocatícios no valor de R$ 450.000,00.
Conclusão
A análise conjunta desses dois casos revela como a arbitragem societária lida com a concretude das obrigações contratuais, especialmente em relação à alocação de riscos e à efetivação de cláusulas condicionais.
No caso da Allore Mineração, a sentença reafirma a natureza resolutiva de contratos com condições suspensivas, responsabilizando os vendedores pelo não fechamento da operação. Já no caso da Usiminas, a decisão confirma a necessidade de critérios objetivos e normativos para definir o que pode ser considerado “contingência materializada”, protegendo os vendedores contra interpretações amplificadas por parte dos compradores.
Ambos os precedentes reforçam a importância de cláusulas bem redigidas e da adoção de critérios contábeis claros para garantir segurança jurídica em operações de M&A.
No próximo informativo, continuaremos a explorar a jurisprudência arbitral em disputas contratuais e societárias. Abordaremos a aquisição de participação na NOVAGRO e a execução de cláusulas de earn-out na venda da Sercon Indústria e Comércio de Aparelhos Médicos Hospitalares Ltda., examinando a aplicação do conceito de adimplemento substancial e os efeitos de alterações na gestão sobre obrigações pós-venda.
Por:
Gustavo Henrique Rocha – Advogado
Marina Cunha – Estagiária