A pandemia global da COVID-19, reconhecida recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS), vem trazendo impactos profundos na sociedade. As medidas de isolamento de pessoas e fechamento de fronteiras têm gerado impactos drásticos na economia nacional e mundial e, consequentemente, as relações empresariais serão afetadas do ponto de vista jurídico.
Este informativo tem como objetivo sistematizar algumas das orientações mais frequentes sobre as quais temos sido consultados no que diz respeito à atividade empresarial. Assim, são três os aspectos tratados: (i) os efeitos das medidas tomadas nos contratos empresariais; (ii) algumas medidas tributárias disponíveis para empresas em virtude do estado de calamidade pública presente em diversos Estados brasileiros; (iii) o status de funcionamento de alguns dos órgãos públicos e instituições privadas em que mais temos atuação (Anexo I – Guia de Serviços)
- Contratos Empresariais
A relação dos contratos empresariais com as medidas de isolamento que têm sido tomadas no Brasil e no mundo retomam uma discussão clássica do direito contratual, que é a exoneração de responsabilidade da parte inadimplente por conta de eventos conhecidos como casos fortuitos e de força maior. As consequências destes eventos em cada caso decorrem da lei aplicável e das próprias disposições contratuais.
Assim, o primeiro (e mais relevante) ponto sobre o tema é a necessidade de análise particular de cada contrato de forma a identificar pelo menos dois pontos:
(i) se as medidas de isolamento impactam aquele contrato especificamente; e
(ii) quais as consequências jurídicas decorrentes do caso fortuito ou da força maior.
A análise destes contratos deve ser realizada em conjunto com outros contratos que eventualmente integrem a operação econômica a ele relacionada.
Diversas disposições contratuais podem ser afetadas pelas medidas governamentais em vigor. Em operações envolvendo garantias reais, por exemplo, o fechamento de diversos cartórios e registros de imóveis, objetivamente impedem o cumprimento da obrigação. Em contratos que possuam condições resolutivas relacionadas à obtenção de documentos, por exemplo, as medidas atuais também podem levar a impedimentos objetivos diante da suspensão de prazos, redução de servidores ou fechamento de órgãos públicos.
Nestes casos, é necessário ter atenção a pelo menos quatro elementos:
(i) se o próprio contrato exige a formalização do evento por meio de notificações;
(ii) se o contrato permite a suspensão do cumprimento das obrigações ou apenas sua resolução, isto é, seu encerramento precoce;
(iii) se existe um prazo máximo para esta suspensão contratual, e;
(iv) as condições para a retomada do cumprimento dos contratos.
Além disso, é possível que sejam aplicáveis a determinados contratos, em especial aos de execução continuada, as regras atinentes à onerosidade excessiva.[1] Neste caso, uma vez identificados riscos não inerentes ou naturais ao negócio contratado e que causem onerosidade excessiva a uma das partes da operação, é possível que a parte prejudicada pela onerosidade excessiva:
(i) requeira o reequilíbrio do contrato (a um juiz ou árbitro), inclusive mediante modificação do modo de execução da obrigação ou;
(ii) promova a rescisão contratual.
A escolha do remédio aplicável a um caso de onerosidade excessiva deve, naturalmente, levar em conta as circunstâncias do caso concreto.
Por fim, é importante considerar meios alternativos do cumprimento da obrigação ou de mitigação dos prejuízos causados pelas medidas decorrentes da Covid-19. Neste ponto, é particularmente importante verificar, por exemplo, quais danos podem ser cobertos pelas apólices de seguro, se é possível utilizar-se de estruturas de hedges cambiais ou simplesmente mitigar prejuízos por meio de transações substitutas ou alternativas negociais.
- Prorrogação do Prazo de Recolhimento de Tributos
Os impactos das medidas governamentais relacionadas à Covid-19 também geram reflexos tributários. A paralisação da atividade de diversas empresas pode gerar dificuldades significativas em seu fluxo de caixa. Assim, é natural que empresas busquem estratégias para proteger o seu caixa, seja para evitar demissões ou mesmo para garantir uma reserva suficiente que lhes permita manter ou retomar suas atividades.
Em decorrência de diversas pressões de vários setores da sociedade, o Governo já tem tomado algumas medidas para flexibilizar o prazo de pagamento de tributos:
(i) Para o caso de empresas no regime do Simples Nacional, os prazos foram prorrogados por meio da Resolução CGSN nº 152, de 18/03/2020, de modo que os tributos que venceriam em abril, maio e junho, tiveram o vencimento prorrogado para outubro, novembro e dezembro;
(ii) o Secretário da Receita Federal anunciou hoje (02/04/2020) a total desoneração, por 90 (noventa) dias, de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre operações de crédito, com o objetivo baratear as linhas emergenciais de crédito já anunciadas pelo governo, no entanto ainda não foi publicado o instrumento normativo regulando a medida;
(iii) Por fim, o Secretário da Receita Federal anunciou hoje (02/04/2020) o adiamento das contribuições de abril e de maio para o Programa de Integração Social (PIS), o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da contribuição patronal para a Previdência Social, paga pelos empregadores, que só deverão ser pagas de agosto a outubro. No entanto, ainda não foi publicado o instrumento normativo regulando a medida.
Para além dessas medidas, existem alternativas legítimas que permitem o diferimento no pagamento dos demais tributos federais (e.g. IRPJ, CSLL), as quais decorrem da Portaria do Ministério da Fazenda n. 12 de 20/01/2012, que autoriza que as datas de vencimento de tributos federais fiquem prorrogadas para o último dia útil do 3º mês subsequente à decretação de calamidade em um município. Enquanto simplesmente deixar de recolher tributos apresenta um risco significativo de multas e encargos moratórios, é possível interpor ação judicial para o reconhecimento do direito a postergar o recolhimento de tributos, já tendo sido noticiadas decisões favoráveis aos contribuintes nesse sentido. É também possível discutir na mesma ação tese mais abrangente, que prorrogue o prazo de recolhimento dos tributos enquanto durar a pandemia.
Também tem sido ajuizadas ações judiciais requerendo o diferimento do pagamento de ICMS, com base em Convênio 169/2017 do CONFAZ, com notícias de decisões favoráveis aos contribuintes.
O ajuizamento de ações desta natureza pode ser uma alternativa importante para administrar as consequências financeiras decorrentes da suspensão da atividade empresarial e que impactam fortemente os fluxos de caixa das empresas.
Além de preservação do fluxo de caixa no momento mais agudo da crise, a medida pode também evitar o pagamento de multa por atraso no pagamento dos tributos (que, no âmbito federal, pode chegar à 20% do valor do tributo) e juros (no âmbito federal, calculada pela taxa SELIC nos meses anteriores ao pagamento e 1% no mês do pagamento).
- Status de Funcionamento de Órgãos Públicos e Instituições Privadas
Por fim, vale fazer uma breve nota sobre alguns órgãos públicos e instituições privadas que atingem diretamente as atividades empresariais e que tiveram suas atividades afetadas pelas medidas governamentais relacionadas ao Covid-19.
O Poder Judiciário, em regra, continua funcionando, mas em regime especial. Os processos continuam tramitando, mas, a depender do Tribunal, os juízes e funcionários estão trabalhando remotamente, e algumas atividades foram suspensas: (i) os prazos processuais para os advogados; (ii) o atendimento ao público; (iii) a realização de audiências; (iv) as sessões de julgamento presenciais do Tribunal. O cumprimento de mandados por oficial de justiça pode demorar mais do que o habitual ou ser suspenso caso não seja urgente, assim como a realização de perícias. A suspensão de prazos processuais está prevista para todo o Poder Judiciário até 30/04, conforme Resolução CNJ nº 313/2020.
No caso do TJSP, o regime especial de trabalho é exatamente como acima descrito, sendo que as suspensões iniciaram-se em 16/03 e estão previstas para continuar até 30/04, conforme os Provimentos CSM 2.545/2020, 2.546/2020, 2.547/2020, 2.548/2020, 2.549/2020 e 2.550/2020, além da Resolução CNJ nº 313/2020.
As instituições arbitrais no Brasil, em geral, suspenderam os atendimentos presenciais, bem como a realização de audiências presenciais. A maior parte destas instituições manteve aberta a possibilidade de realização de protocolos por meio eletrônico, autorizando os tribunais arbitrais a deliberarem sobre a suspensão do procedimento ou quaisquer outras modificações necessárias, inclusive a realização de audiências por meio de videoconferência.
A Junta Comercial do Estado de São Paulo suspendeu o atendimento presencial até 30/04, disponibilizando alguns serviços pelo seu site. Vale destacar que a Medida Provisória n. 931, de 30/03/2020, autorizou que as Sociedades Anônimas, Limitadas e Cooperativas posterguem a realização das Assembleias Gerais Ordinárias ou Reunião de Sócios, conforme aplicável, por até 7 (sete) meses, a contar do término do seu Exercício Social. Neste ínterim, os mandatos dos membros de cada empresa ou cooperativa são prorrogados até a realização da Assembleia Geral Ordinária ou Reunião de Sócios.
O Anexo I deste memorando sistematiza estas e outras informações, em uma tabela explicativa de fácil referência.
- CONCLUSÃO
Em síntese, portanto, as medidas governamentais de combate à pandemia gerada pela COVID-19 trazem incertezas e desafios globais. Estar atento a estes desafios é, mais do que nunca, absolutamente necessário, adotando medidas efetivas de preservação dos contratos, mitigação de danos e administração de caixa necessárias para o bom desenvolvimento da atividade empresarial.
Neste breve memorando, esperamos indicar algumas das soluções jurídicas que nos parecem úteis para permitir a conservação dos objetivos dos contratos, bem como garantir a perpetuidade da atividade empresarial. A adoção de estratégias efetivas que mitiguem maiores danos será a chave para uma recuperação e equilíbrio da atividade empresarial.
Nossa equipe, ainda que toda em regime de Home Office, encontra-se ao dispor de nossos clientes e parceiros para quaisquer orientações adicionais que se façam necessárias.
ANEXO I – GUIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS – MLUIS ADVOGADOS ASSOCIADOS
Câmaras Arbitrai:
ICC:
- Adiamento de todos os eventos e reuniões agendados até o dia 17.4; suspensão de protocolo físico, com manutenção de protocolo eletrônico.
- Notícia
CCBC:
- Suspensão de visitas presenciais em todas as sedes; suspensão de protocolo físico, com manutenção de protocolo.
- Resolução Administrativa 39/2020
FIESP:
- Suspensão de protocolos físicos. A partir de 30.3, todos os protocolos deverão ser enviados eletronicamente.
- Resolução 2/2020
CAMARB:
- Suspensão de protocolos físicos até 31.3, podendo ser prorrogado se houver necessidade de manutenção do período de suspensão. Cabe aos árbitros e mediadores deliberarem sobre a suspensão do procedimento ou quaisquer outras modificações necessárias.
- Resolução Administrativa n° 08/20
CBMA:
- Suspensão de protocolo físico, com manutenção de protocolo eletrônico.
- Resolução nº 01/2020
Tribunais Superiores
STF:
- Suspensão de prazos do dia 19.3 até 30.4.
- Notícia
- Resolução STJ/GP nº 6/2020
- Resolução STJ/GP N. 5/2020
- Notícia
- Resolução nº 313/2020
TST:
- Suspensão de prazos até 30.4.
- Notícia
- Ato TST/GP n 139/2020
- Ato CSJT/GP nº 56/2020
Tribunais Estaduais
TJSP:
- Suspensão de prazos em processos físicos e eletrônicos desde o dia 16.3, por 30 dias.
- Possível prorrogação do período de suspensão dos prazos.
- Notícia
- Notícia
- Comunicados e Provimentos
TJMG:
- Suspensão de expediente até 27.3; regime de plantão extraordinário, com a suspensão do trabalho presencial, no período de 30.3 até 30.4; suspensão de prazos de processos físicos e eletrônicos, audiências em casos não urgentes e sessões de julgamento, na 1ª e na 2ª instância, no período de 30.3 até 30.4
- Portaria Conjunta 952/PR/2020
TJRJ:
- Suspensão dos prazos de processos físicos e eletrônicos até 30.4, excluindo os prazos de natureza urgente e necessários à preservação de direitos.
- Ato Normativo nº 08/2020
TJTO:
- Suspensão de prazos processuais e administrativos desde 18.3 até 30.4.
- Notícia
- Portaria-Conjunta nº 001/2020
TJES:
- Suspensão de prazos processuais e administrativos desde 18.3 até 30.4.
- Notícia
- Resolução Corpo Diretivo nº 02/2020
Tribunais Trabalhistas
TRT 2ª Região:
- Suspensão de expediente, audiências e prazos de 17.3 até 30.4.
- Notícia
- Resolução Corpo Diretivo nº 02/2020
Fisco
Receita Federal:
- Atendimento presencial, com agendamento prévio e para serviços essenciais, do dia 20.3 ao dia 29.5.
- Notícia
Fisco Municipal (São Paulo):
- A maioria dos atendimentos foram suspensos, mas alguns ainda funcionam sob regime de plantão. Cada unidade municipal apresenta o seu próprio atendimento.
- Unidades de Atendimento em São Paulo
CARF:
- Prazos para prática de atos processuais ficam suspensos até 30.4.
- Notícia
- Portaria 8112/2020
Outros serviços
JUCESP:
- Suspensão do atendimento presencial de 23.3 até 30.4; alguns serviços estão sendo disponíveis pelo site
- Notícia
INPI:
- Suspensão dos prazos do dia 16.3 até o dia 14.4.
- Notícia
[1] Art. 478 do Código Civil. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Mais informações:
Empresarial, contratos e arbitragem: Daniel Tavela Luís (daniel@mluis.adv.br)
Tributário e contencioso: Victor Nóbrega Luccas (victor@mluis.adv.br)
Daniel Tavela Luis e Victor Nóbrega Luccas
Daniel Tavela Luís, sócio de Manuel Luís Advogados Associados. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador do Grupo de Estudos de Arbitragem e das Atividades de Extensão da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Victor Nóbrega Luccas, sócio de Manuel Luís Advogados Associados. Professor da FGV Direito SP. Coordenador de Pesquisas Aplicadas no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação – CEPI da FGV Direito SP.