Recentemente, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”) anulou uma sentença arbitral com base na violação do dever de revelação do árbitro.
O dever de revelação árbitro é um dos temas mais importantes da arbitragem no Brasil atualmente, por se relacionar diretamente com a independência e imparcialidade que asseguram o devido processo legal em qualquer processo de natureza jurisdicional.
Na Apelação Cível n. 1116375-63.2020.8.26.0100, o TJSP enfrentou duas das principais questões envolvendo o dever de revelação: (i) se a ausência de revelação de determinado fato no curso de um procedimento arbitral acarretaria, de forma automática, a anulação da sentença arbitral e (ii) se o fato não revelado poderia comprometer a isenção do árbitro, ocasionando a anulação da sentença arbitral. O TJSP reafirmou o compromisso que os árbitros devem ter com o dever de revelação de fatos que possam gerar.
O Caso
Trata-se de Ação Anulatória de Sentença Arbitral em que a Apelante sustentou a violação do dever de revelação pelo árbitro presidente do tribunal arbitral, o qual tomando conhecimento do ingresso de um novo patrono para uma das Partes, deveria ter revelado às Partes que seu escritório havia atuado em conjunto com o escritório deste novo patrono em relevante operação societária semanas antes da contratação do referido patrono na arbitragem. A peculiaridade do caso está no fato de que a operação era pública e, portanto, supostamente de amplo conhecimento do mercado ou de fácil acesso às partes.
O pleito de nulidade da sentença arbitral foi fundamentado na violação do dever de revelação e no desrespeito ao princípio da imparcialidade do árbitro, previstos, respectivamente, nos Arts. 14, §1º e 21, §2º, da Lei 9.307/96 – Lei de Arbitragem. Os fatos que deram azo à suspeição eram incontroversos e a questão avaliada pelo TJSP era eminentemente jurídica – deveria ou não o árbitro ter revelado os fatos no curso do procedimento arbitral após o ingresso do novo patrono de uma das partes no procedimento, sendo esta relação entre árbitro e patrono pública?
Posição do TJSP
Segundo o desembargador relator Maurício Pessoa, a regra disposta na Lei de Arbitragem é clara ao estabelecer que deve o árbitro revelar e cabe à parte avaliar a informação revelada, sendo que o dever de revelação perdura durante todo o procedimento arbitral, de que modo que “caso surja algum fato superveniente que demande ser revelado, caberá ao árbitro revelá-lo, sob pena de macular a validade do procedimento arbitral”.
No mais, o relator destacou que a possibilidade de as partes envolvidas no procedimento arbitral buscarem informações sobre o árbitro, por meios próprios, não relativiza o dever de revelação do árbitro, que deve ser exercido durante todo o curso do procedimento arbitral. Assim se o fato não revelado for capaz de gerar uma das hipóteses de impedimento e suspeição do árbitro ou levantar dúvidas justificadas sobre sua independência e imparcialidade, ele deveria ser revelado, sob pena de nulidade da sentença. Ao final, o TJSP concluiu restar caracterizada a violação do dever de revelação com relação à atuação do árbitro presidente e do patrono da parte contrária na referida operação societária, consignando que o árbitro tinha o dever de informar às Partes sobre este fato:
[…] Todavia, o primeiro fato indicado pela apelante e omitido pelo árbitro é suficiente para caracterizar a violação do dever de revelação. O árbitro tinha o dever ético de informar as partes envolvidas na arbitragem sobre a primeira circunstância aqui analisada, especialmente porque a atuação do julgador e do advogado da parte contrária em favor de uma mesma sociedade, em um processo societário de grande relevância, simultaneamente ao procedimento arbitral, gera, aos olhos da parte e de quem quer que seja, forte desconfiança ou séria dúvida quanto à imparcialidade do árbitro; logo, independentemente de inequívoca comprovação da parcialidade. Contudo, não foi o que aqui ocorreu, de modo que a transparência do procedimento arbitral e a confiança depositada no árbitro restaram maculadas, a configurar a invalidade do procedimento arbitral, nos termos dos artigos 21, §2º e 32, inciso VIII da Lei nº 9.307/96.
Assim, o Tribunal, por maioria de votos, concedeu parcial provimento ao Recurso de Apelação para declarar a nulidade da sentença arbitral para que o conflito seja submetido a um novo procedimento arbitral e decidido por um novo tribunal arbitral.
Este precedente é importante para a arbitragem a nível nacional brasileiro, por pelo menos 4 razões: (i) estabeleceu um estrito dever de diligência de árbitros ao assumirem a função jurisdicional de árbitro; (ii) cria um padrão objetivo, isto é, independente de dolo ou culpa do árbitro, para apuração do seu dever de revelação; (iii) admitiu que o padrão internacional das IBA Rules on Conflict of Interests é um referencial importante para a determinação do dever de revelação dos árbitros e de fatos que criem dúvidas justificáveis sobre a independência e imparcialidade dos julgadores; e (iv) diminuiu o ônus das partes (e seus patronos) em constantemente se atualizarem sobre eventuais conflitos na relação entre árbitros, partes e seus patronos.
Resta, no entanto, uma interessante questão para reflexão: neste caso, o ingresso do patrono que infligiu o conflito no Tribunal Arbitral ocorreu no curso do procedimento arbitral. Poderia o Tribunal Arbitral obstar o ingresso do novo patrono com a finalidade de obstar a criação de um conflito no tribunal arbitral? Este assunto já foi discutido em casos internacionais no âmbito do ICSID e a resposta daqueles tribunais arbitrais foi afirmativa (ICSID – Hrvatska Elekropriveda d.d. v. Republic of Slovenia Case). Por hora, no entanto, o ordenamento jurídico brasileiro ainda não respondeu a esta pergunta sob a ótica do direito brasileiro.
Por:
Daniel Tavela Luís – Sócio
Isabela Burgo – Advogada
Giovana Pala – Estagiária