Quais são as implicações fiscais de uma empresa ao fechar as portas.
Todo mundo conhece a história. Apesar dos esforços, a empresa não se desenvolveu conforme o esperado. O dinheiro investido acabou. Não sobraram bens. Não sobrou dinheiro nem para pagar o aluguel. Menos ainda para as dívidas, incluindo as fiscais. O empresário resolve então encerrar as atividades e fechar as portas da empresa definitivamente.
O que nem todos conhecem é a continuação desta história. As dívidas fiscais não pagas são inscritas na dívida ativa. A dívida inscrita se transforma em uma execução fiscal. No momento de citar a empresa, o Fisco e o Judiciário constatam que a empresa não funciona mais no seu antigo endereço comercial. O Fisco, então, requer o redirecionamento da execução fiscal ao sócio, com base na súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça que diz: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.” E a empresa fechada volta para assombrar o empresário, dessa vez prejudicando o seu patrimônio de pessoa física.
O problema dessa história é a aplicação indiscriminada da súmula 435, requerida pelo Fisco e aceita pelo Judiciário. Muitas vezes não se atenta às peculiaridades dos casos concretos, principalmente de pequenos empresários, que frequentemente não contam com orientação jurídica. Essa aplicação errônea da súmula desconsidera a limitação patrimonial criada pelo instituto da personalidade jurídica e gera consequências graves que prejudicam pessoas físicas e o desenvolvimento da atividade empresarial. Nas linhas abaixo, nosso objetivo é diferenciar as situações de dissolução irregular, nas quais a súmula 435 deve ser aplicada, das situações como a descrita acima, que chamamos de mera desativação da empresa, na qual entendemos que a aplicação da súmula é indevida.
A dissolução irregular, a que se refere a súmula 435 do STJ, caracteriza-se pela tentativa do sócio de fraudar o Fisco e evitar o pagamento de tributos dificultando a citação da empresa ou a penhora de seus bens. A maneira combatida de fraudar o Fisco é mudar o local de desenvolvimento das atividades empresariais sem comunicar os órgãos competentes (Receita Federal do Brasil, Fisco Estadual, Fisco Municipal e Junta Comercial). Quando o Fisco procura a empresa, não encontra nada. Os bens foram levados para outro lugar.
Contudo, ao verificar se é realmente o caso de dissolução irregular, deve se considerar a razão pela qual a empresa deixou de funcionar em seu domicílio fiscal. Em casos como o descrito no começo deste texto, a empresa executada foi completamente desativada e deixou de funcionar em seu endereço porque não dispunha de recursos, nem para o aluguel. A empresa não foi movida para lugar algum, nem havia bens a esconder. Nesses casos, entendemos que não há dissolução irregular, mas mera desativação da empresa.
O empresário que desativa completamente a sua empresa e tem dívidas fiscais a pagar se encontra em uma situação peculiar, para não dizer absurda. Ele não pode dar baixa formalmente na empresa, pois para isso são necessárias certidões atestando a inexistência de dívidas fiscais. Ao mesmo tempo, ele não pode continuar a operar no seu endereço comercial, pois não dispõe de recursos. Só que, se ele simplesmente desativar a empresa, corre o risco de ter a execução fiscal redirecionada contra ele. Se a empresa não vai se mudar para lugar nenhum, como ele irá comunicar a mudança de endereço para os órgãos competentes?
Para evitar essa situação absurda, devem ser feitas algumas considerações. Em primeiro lugar, o Judiciário, ao analisar se é realmente o caso de redirecionar a execução contra o sócio, deve atentar para a diferença entre a dissolução irregular e a desativação da empresa. A mera desativação não possui o intuito de fraudar o Fisco e, portanto, não permite o redirecionamento. Em segundo lugar, nos casos de mera desativação não se deve exigir do sócio que comunique a mudança de domicílio fiscal da empresa, pois não há mudança. O fato de a empresa ser desativada não impede a citação da empresa, que pode ser realizada na pessoa dos seus representantes legais. Não apenas o Fisco dispõe do endereço dos sócios, como o mesmo dado está disponível publicamente nas Juntas Comerciais. Basta que o endereço dos sócios esteja atualizado na Junta Comercial que não haverá problemas para citar a empresa.
A história tem que ser mudada. Não se pode confundir a dissolução irregular de uma empresa que deixa o endereço com o intuito de fraudar o Fisco e evitar o pagamento de tributos, com a simples desativação de outra empresa pela total falta de recursos. Ao se confundir essas situações fáticas completamente distintas, na prática impede-se que os empresários desativem suas empresas, sob pena de responsabilização pessoal. Em última instância, o instituto da personalidade jurídica e da limitação patrimonial perde sentido, pois, ou o empresário mantém a empresa aberta ou é responsabilizado pessoalmente pelos tributos devidos pela empresa.
Alguém pode observar que deixando de responsabilizar o sócio e não havendo bens da empresa, o Fisco não terá seu crédito satisfeito. É verdade. Levar a sério a limitação de responsabilidade patrimonial significa que há o risco de alguém não receber o dinheiro devido. Esse é um risco inerente à sociedade capitalista, repartido por todos os participantes. Os credores da empresa, os consumidores e até mesmo o Fisco estão sujeitos a esse risco. O modelo capitalista e o desenvolvimento da atividade empresarial dependem disso.
Victor Nóbrega Luccas
Victor Nóbrega Luccas é advogado no escritório Werebe & Associados, bacharel pela Direito GV e mestrando em Direito pela USP