Em um litígio envolvendo a Comissão Europeia e duas empresas – uma cipriota e outra subsidiaria de uma alemã -, iniciada em 2012 em decorrência de defeitos em uma rede de esgotos de 60 km em cidade costeira do Chipre, surgiram questionamentos referentes à participação do secretário do presidente arbitral na elaboração da sentença arbitral.
A arbitragem foi sediada em Bruxelas, sob as leis belgas e de acordo com o regulamento da CCI. Em 2020, a sentença arbitral foi proferida em grande parte em favor da Comissão Europeia. Após a sentença, as empresas requereram esclarecimentos sobre o papel desempenhado pelo secretário do presidente do tribunal arbitral na elaboração da decisão, bem como na preparação de perguntas às partes.
O presidente do Tribunal Arbitral admitiu que o secretário do Tribunal Arbitral foi responsável pela elaboração de certos trechos da sentença e por alguns questionamentos às partes, mas que todo o trabalho do secretário teria sido revisado por ele.
As empresas requereram que a decisão fosse anulada, com base, entre outros elementos, na delegação de poderes ao secretário do Tribunal Arbitral. Em boa medida, a tentativa de anulação da sentença arbitral lembra um dos capítulos do caso Yukos – perante a Corte de Apelação de Haia – que também não foi bem sucedido (e pende de decisão pela Suprema Corte da Holanda).
A Corte de Bruxelas entendeu que tem sido uma prática comum na arbitragem internacional que tribunais se utilizem de secretários arbitrais (geralmente jovens advogados) para questões que vão além da organização e administração do procedimento. Isto não implica, necessariamente, motivo para anulação da sentença arbitral pois o controle do árbitro sobre a sentença pode ser realizado por meio de revisões do trabalho dos secretários e porque as partes, ao escolherem o árbitro, têm ou deveriam ter condições de avaliar o grau de integridade profissional do árbitro indicado.
A Corte de Bruxelas traz elementos interessantes para procedimentos anulação de sentenças arbitrais, em especial no que diz respeito à possibilidade de avaliar o grau de integridade profissional do árbitro na fase de indicação do árbitro. Ao que nos parece, a decisão traz às partes e seus advogados ainda mais responsabilidade no momento de indicação do tribunal arbitral: é necessário que perguntas, questionários e as entrevistas que antecedem a indicação/confirmação do árbitro devem também ser direcionados para a forma de uso de secretários pelo árbitro.
No Brasil, no entanto, não existem parâmetros judiciais sobre esta questão, haja vista que os tribunais brasileiros ainda não foram chamados a julgar um caso de anulação de sentença arbitral pelo uso de secretários do tribunal arbitral.
Este boletim tem objetivo meramente informativo e está sendo produzido excepcionalmente com o caráter de informar nossos clientes, parceiros e amigos sobre as notícias e medidas adotadas no âmbito jurídico. Ele não reflete a opinião de nosso escritório e de seus integrantes, de qualquer forma.
Mais informações:
Empresarial, contratos e arbitragem: Daniel Tavela Luís (daniel@mluis.adv.br)
Tributário e contencioso: Victor Nóbrega Luccas (victor@mluis.adv.br)
Daniel Tavela Luis e Victor Nóbrega Luccas
Daniel Tavela Luís, sócio de Manuel Luís Advogados Associados. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador do Grupo de Estudos de Arbitragem e das Atividades de Extensão da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Victor Nóbrega Luccas, sócio de Manuel Luís Advogados Associados. Professor da FGV Direito SP. Coordenador de Pesquisas Aplicadas no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação – CEPI da FGV Direito SP.